Quando pensei em criar uma newsletter, o primeiro pensamento que me veio à cabeça foi: quero que as pessoas sintam como se estivessem conversando comigo no meu ateliê, sobre os mais variados assuntos. Se o blog é meu ambiente profissional, aqui quero falar sobre tudo, do mesmo jeito que faço em casa, no meu ateliê. Só que esse ateliê não é somente um lugar onde sento para desenhar, planejar aulas ou ler. É um sentimento que cultivo há vinte anos, é um compromisso com a minha arte. E para tornar compreensível para quem me lê, preciso voltar um pouco no tempo e explicar como esse sentimento nasceu.
Entrei na graduação em Artes Visuais no ano de 2005. Na época, o professor de desenho solicitou que tivéssemos, cada estudante, uma prancheta de eucatex tamanho A3 ou mais, para produzirmos nossos trabalhos numa superfície lisa, visto que nossas mesas e bancadas eram totalmente corroídas por cupins. Essa prancheta foi meu primeiro ateliê. Eu a colocava sobre a minha cama, e nela produzia meus trabalhos de faculdade e também treinava desenhando catálogos, revistas e qualquer fotografia que pudesse servir de modelo. Eu só queria desenhar.
No último ano de faculdade, uma colega me deu uma mesa de desenho de segunda mão, que ela tinha feito a partir de um tampo de fórmica também usado… essa mesa foi pintada, restaurada e ficou no meu quarto durante anos, sendo minha mesa “oficial”. E foi nela que posei toda pomposa para a capa do caderno Mulher Interativa, do extinto Jornal Agora (leia a matéria aqui).
Ali fui organizando minha pequena coleção de livros técnicos, e os materiais de desenho em canecas. Chegou uma hora que a mesa não aguentou mais, além de começar a ficar desconfortável. Foi aí que comprei uma escrivaninha branca, linda, em estilo provençal. Era meu sonho materializado com o dinheiro que recebia de uma bolsa de trabalho. Agora eu tinha gavetas para guardar meus materiais e um suporte adequado para minha impressora.
Depois comprei uma estante e um livreiro, para acomodar mais livros. E também prateleiras. Tudo isso dentro do meu quarto, na casa dos meus pais, enquanto eu lidava ao mesmo tempo com a felicidade por poder comprar esse mobiliário, e também com a frustração por já ter passado dos 30 e permanecer sem um teto todo meu.
Em 2018, finalmente fui chamada no concurso público para professora que realizei quatro anos antes. E em 2020 eu tinha minha casa. A única coisa que eu falava constantemente para meu companheiro era: eu quero ter um ateliê, a casa precisa ter um ateliê. E depois de ponderar espaço e orçamento, decidimos por construir um mezanino para ser esse lugar.
No início, eu não tinha móveis suficientes para completar o espaço. Durante alguns anos, minha antiga cômoda com cara de quarto acomodou papéis e outros materiais. Fui pegando coisas que minha sogra não queria mais, comprando móveis usados, e o marido fez alguns livreiros para mim. Comprei outra mesa, mais livros chegaram, outros saíram. Coloquei quadros nas paredes. Os gatos têm seus lugares cativos sobre cadeiras, móveis e sofás. E o Sushi (o mesmo que me acompanha em minha foto de perfil) tem o péssimo hábito de fazer xixi no piso, que deveria ser de cimento queimado, mas ficou parecendo um contra-piso mal acabado e manchado.
Mas como todos esses lugares se tornaram um sentimento? Quando eu decidi que aquela prancheta de eucatex seria meu primeiro ateliê, assumi um compromisso com a minha arte, de que não importasse o lugar, o material, o tempo que tivesse disponível, eu sempre abriria espaço para a arte na minha vida, e ela sempre teria lugar em qualquer ambiente que eu estivesse. Meu ateliê já foi o hospital, cuidando do meu pai. Já foi o intervalo do recreio. Já foi sala de espera. É sala de aula.
Fazer questão desse espaço de ateliê dentro da minha casa, numa sociedade que não valoriza os artistas (assim como os atletas, como temos visto nas Olimpíadas), na qual os aparelhos culturais são negligenciados pelo Estado, e o professor de Artes tem apenas 45 minutos de aula, além de ser um privilégio, é o meu modo de dizer que arte importa, que por mais que as rotinas tentem me afastar dela, é para ela que sempre vou voltar, é o que me move e me dá motivos para continuar trabalhando e continuar criando.
Ateliê é um sentimento para mim, que significa amor, resistência, desígnio. E é o que pretendo dividir a partir de agora.
Obrigada a quem se inscreveu e chegou até aqui. Ainda não defini a periodicidade dessa newsletter, mas pretendo que seja pelo menos quinzenal. Espero que minha escrita reverbere em algum canto, em algum sentimento bonito de você. Em seu próprio ateliê.
É um sentimento poderoso e inspirador, Lidy. Que bom poder te acompanhar também aqui, teu compromisso com a arte é admirável e arrasta pelo exemplo. Obrigada por insistir. 🤎
Venho aqui nesse espaço agradecer de novo, pelo incentivo a arte e por fomentar a ideia que o ateliê é muito mais que um espaço físico. Obrigada, tuas palavras inspiram muito por aqui e reverberam em lugares de mim. Agradeço pela tua escrita e espero que venham mais conversas dentro do teu ateliê, sobre pensamentos, sobre sentimentos, sobre coisas ruins também né? Ser artista é ser resistência. obrigada!